sábado, 24 de maio de 2008

Malabarista de facas à plateia de arqueiros

Subiu no palco. Nariz sobre todos e olhar fixo no fim do último corredor, nem o passageiro medo tirou a disposta felicidade de estar no centro, no alvo.
Foram preparando as flechas, fintadas de fogo, sabiam que algo iria ocorrer, poderia ser de morte. Os violinos começaram, seguidos do suspiro ensurdecedor do malabarista com as lâminas a mão. Dispôs, aleatoriamente, com tão esmero que a platéia pensou que o show começara. Eram blá de lá, e cá: resmungos de bebê. Os trompetes anunciaram: começou a artilharia. Eram sinais de fogo em todo o teatro, o garoto regendo a orquestra, com a batuta afiada. Queria se fazer amar, mas a bailarina, seguinte, tirou seu tão mistério. O espectador não era mais o teatro, a levara pra cama. Enquanto sonhava com a transa, a platéia voluptuara-se aos pares e ímpares, sobre tudo em vários.
Uma faca caiu, cortou o véu da bailarina já quase despida com os olhos, o malabarista apreensivo, com fixo fitado na moça. Resolveram: "levaremos todos, conosco." O salto da dançarina, o jogar do artista. Pinturas ao ar. Impetuosos e flechados: olhares de flechas.

Fecham-se as cortinas. O show tornou-se, atua confidente.

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Queimado em lareiras

Permiti, olhar nem que por só alguns traços de instante praquilo que você chamou de retrato, a beleza tão mensurada em um papel, me fez sentir ciúme do porta-retrato, que tão calma ela aceitou lhe segurar e apalpar-lhe o rosto. Contínuo, porém soslaio fitado da alma, teimou com a razão e os sentidos se perderam. Aquele pedaço de pano envolto no pescoço longo e pecaminoso. Trouxe em mim, mais de vez sua face diáfana e sorrateira, deveras. O retrato caiu e cedeu ao chão. Aquela bela, agora, em tão infame situação, gritou à minha misericórdia. Encostei aos poucos, dedo a dedo, no papel, virei assustado e vi a donzela que tirara meu fôlego. Tudo se ritmou. Eu a afrontando, ela consciente e com olhar fixo, não em mim. Mais adiante percebi o sonho que tinha posto-me e logo relutei em sair daquele gozo envergonhado, com as bochechas vermelhas e acaloradas. Mas de súbito, fujo meus espelhos àquele esconderijo aconchegante; percebo-a cheia de vontades, exibicionista, solta as madeixas ao ombro e olha, bonita. Abro-os e noto as notas que saem, sôfregas, dos seus lábios pequenos. Tão sedosos à vista, mas imperceptíveis. Da desilusão que tinha colocado-me, agora, pus a tirar-me. Ela me deu um adeus sem delongas e eu, ressentido, tinha descoberto o que é amar. Doeu mais em saber que na foto, era pintura. Arte esmerada: inexorável inexistência.

quarta-feira, 7 de maio de 2008

Garota das sardinhas

Ela toda linda, de tanto, que fazia os pássaros cantarem sonatas de amor, brincava de olhar discreta aos detalhes de cada homem, surrava os verbetes que saíam difíceis e assentidos. Com as gotas desequilibradas em seu rosto, brincando na brochura da alma com suas expressões vazias em tempos, e cheias noutros. Cada pinguélo que a vida lhe trazia era, tão somente, clara ou escura, lhe privava as cores neutras de uma paixão passageira; encarando o paraíso ela fez-lhe promessas dignas de um divino. Este a respondeu com a pergunta que lhe tivera mais medo em redargüir, com certas palavras de alento, doutros de escória.
Garota dos pontos na face, que desenhavam perfeitamente a forma do anjo que de noite ia lhe desejar, no coração nodoso, uma escuridão acompanhada. Tornara suficiente o amor que o seu sentira, nem por ela era. Encostava as maçãs do rosto no travesseiro molhado e logo sentia o vento quente subindo pelas pernas. Ao fechar os olhos, lhe trouxeram a visão do arcanjo profano e mentiroso; divertiu-se e brincou de contar estórias de amor para o anjo que lhe fez desacreditar no dito. Para a garota era de simples e concreto pudor pensar que o amor não existia. Ela se enganou, adiante viu: o amor a sua frente desnudo.

domingo, 4 de maio de 2008

Eu amaria NY

Suas torrentes que extravasam a rigidez da Parede, são visitadas os Parques centrais de forma obsoleta. Suas veias inabaláveis, que fazem os faróis parecerem torniquetes à hemorragia que passa em frente meu apartamento, enquanto olho pra traz e vejo a linda, dormindo, loira e sedosa. Com as covinhas das costas à mostra, seduziu-me sem querer, com as maçãs lascivas não me fez agüentar, ao mesmo tempo em que o mundo se colidia do lado da saudosista NY, que cobra atenção do olhar que foge pra garota das madeixas douradas.
Andei por onde o touro anda, andei por onde milhares pularam. Andei por essa cidade que não conheço. Andei procurando algo pra amar; não achei na mulher, não achei nas ruas, desisti de procurar.
Acabei por pichar em um muro qualquer: "Eu amaria NY"

quinta-feira, 1 de maio de 2008

Um (de) repente

Casalsinho de pouca data, com braços assanhados por debaixo da mesa com medo de chegar à vergonha. Misteriosos olhares trocados e confundidos, que teimavam em levar o ensejo do beijo.
De frente a tela via os amantes se amarem, no desajeito da tentativa, Souza teve a triste idéia da cópia que mais tarde fez Débora enojar-se com a falta. Então começou a matutar mais, e outras, e mais algumas até que suas preces foram ouvidas. Débora tropeça e cai. Ali em sua frente, morta e ensagüentada. Ele pensa: "Se o que sentia era falso eu gostaria de saber, porque ser canalha sem saber é um dos pecados mais brutais."
O que mais posso fazer(?); erramos de sala. Não gostamos de filmes assim.



"Reflitamos"

Rasgação de sedas

Rasgação de sedas