terça-feira, 29 de julho de 2008

Monólogo do pai da mulher-mais-linda-deste-mundo

Ela nasceu e a vi com os primeiros olhos, sua formosa noção de sorrir, seu choro maestrado pelo doutor. Saí do hospital, aos braços de minha filha que tanto sorria, risada gostosa, contagiou a mãe.

Curiosa, foi ter em todos os cômodos uma história pra contar ao amigo imaginário, disse, “voei mais alto que qualquer pássaro já voou”. Nesses instantes estava eu de espectador, sem controle de fala, quieto e inerte à situação. Qualquer ranger de portas tirava-me a paciência, estava em um espetáculo.

Mãe começou a não me ver mais. Pegou-me ao lado da criança deitado, dormindo; Bastava a criança sorrir e o pai ia atrás de qualquer que fosse sua vontade.

Cresceu mais e tornou-se formada de curvas e olhar lascivo, eu a trancafiei em casa, não saia por nada e pura iria ser até que a morte me levasse, antes disso nada a usurparia. Sua mãe olhava com um olhar que eu não entendia; meio cerrado e odioso. Escarniava a qualquer sinal da bela filha. Ao sair pra trazer um de muitos dos agrados à menina, cheguei e o silêncio roubara-me o sossego. A porta de minha menina violada; já aos infernos entrei e lá estava. Jorrada de sangue minha perfeita filha jogada ao chão com o peito perfurado pela mão materna. A mãe com o olhar satisfeito, ao me ver começou a despir-se e eu pasmo, dei-lhe um juntado à fuça. Ainda com fúria, matei-a aos ódios; sussurrando a vida que lhe restara, me disse, “matei a mulher que tirou você de mim, eu não deixo ninguém contigo, Bernardo, ninguém”. O último fôlego foi para dizer que me amava. Depois com a menina em meus braços ensangüentados, falei no canto da boca, nossas maçãs-do-rosto encontraram-se no pomar melancólico da morte. Ela ainda bela com os olhares fixos no pai, que lhe trazia a felicidade a cada fitar fugaz. A vida levara minha única vida. Debrucei na garota de sangue. Dormi em teu leito e hoje conto a estória, esta, ao lado dos mesmos demônios que a tiraram de mim. Sou o pai da mulher-mais-linda-deste-mundo.

sábado, 19 de julho de 2008

Toda criança é inconveniente

Ela pulou do sofá, pensando não haver, ao tocá-lo, seus sonhos a deixaram. Tornou a subir no sofá, até o chão ceder, não cedeu. Então parou, estática na porta de vidro da varanda. Vendo os pássaros-maquinados cortando o seu, contra a brisa do chão. Pediu pro Sol a lembrança do rosto que não sabia ter. O mesmo pedido ao espelho que lhe retribui, em troca um sorriso sujo de leite.
São quatorze horas, seu pai foi comprar o almoço, enquanto ela pulava incessantemente, não sabia o porquê, mas falava ter ódio da terra. Quantos mais ela teria que saltar pra ser de fato completa, levava na cachola a obrigação destes. A inocente não parou em momento algum, até seu pai chegar. Com os pratos, em que se comiam com os olhos, sentou-se na sala de jantar, lambuzou-se com a macarronada trazida; Já jazida de toda a fartura foi ter com o mesmo Sol, que agora estava cabisbaixo. Fim de tarde ela o viu morrer na costa, onde ressurgiu como fênix, Lua.
Olhar fixado, pulou do abismo e caiu na estrada. Deixou bilhete: "Fui encontra-lo, deixei-me ir pelo Sol que me chamou."
Andou léguas, pulou as pedrinhas do caminho. Chegando na tal costa, encontrou: fitou a imensidão e ele com um sorriso na voz. Voltou caminhando, sem tirar o pé da terra batida, dizendo: "o amor não é o que procuro."

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Tentei cronicar

Comentários ríspidos e mentirosos, nunca teve amigos, de fato, teve muitas meninas, mas não cheguemos nesse mérito - porque este é de outrem.
Lá foi o menino destilado de palavras feias gritar na rua com os pobres meninos pobres. Pensava em: nada igual. Queria mais do que todos, menos que todos, e justiça, quando lhe fosse conveniente; na rua da avó morta, corria impetuoso, com os cabelos ao vento imaginava-se vilão. Com a donzela usurpada, de cócoras ao céu, resplandecente visão infantil. Inocência que assusta. A criança vivia ao prantos, para que lhe fizessem jus a tal brincadeira; o momento passou, somente, flutuou.
Tornou-se, viu no fim da rua o amigo, de seu lado a doce menina. Julinho possesso, vontade Possuir. Passou...Passou, comeu...Passou.
Na frente da casa de D. Melinda, que tinha um olho faltando e no lugar usava o do marido; Júlio, agora mais velho, veio pra brincar de médico; e de consultório, D Melinda não deixava seu quintal usar. Convenhamos que nosso leitor sabe que de nada adiantou. O rapazote chegou por de trás, duas aliás.
Na musiquinha que eu tanto tento cantar à vocês; fica o ensejo, mas não meu sucesso.
Passou-se mais, outros se foram, esses chegaram...
Julinho sentado na bera da calçada, roendo os dedos e mastigando os seus pensamentos.

Ele sempre quis ser assim, mas era gostoso. Então já viu.

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Shakespeare não me ensinou a matar

Doído sempre me foi, não ter um cúmplice só meu. A luz acesa não vence a escuridão na nossa frente. Diziam para mim os fieis, que de nada fazia sentido o medo incrustado no meu sorriso. Eu olhei pra ela, e não a vi companheira. Estava só. Amando só. Pensando nela: acompanhado. Milhares de fitas envolveram a brisa do andar, donzela caminhara. Donzela me amara. Ama ainda? Eu sou romancista há muito, venho ter com os sentimentos desde que olhei para eles. Ela tinha que ser minha, tão somente, minha. Ou pelo menos mentir pra mim, dizendo ser. Não; faz questão de olhar à todos, sorrir à todos e, o pior, amar à todos. A minha heresia foi amar sozinho, ter nela todo meu adágio, sublime e torpe. Seja na manhã ensolarada, luar de madrugada ou entardecer do meu sono. A musa, não mais minha, já tinha outros amores. Outros afagos, prelúdios de noites de amor. Violinistas, machetes, liras, harpas...Ao som orquestrado pelos seios da mulher que amo. Assistindo a tudo isso, meus olhos converteram-se em chamas e miséria. A seca de tempos atrás se fez contemporânea. E tudo que tinha vida, tornou-se em morte, não morto. Morte em si. Fez uma arma em minhas mãos, o soslaio olhar da donzela me achou. Ceifada de todo aquele cabimento; ela suplicou. Não consegui segurar-me: caí aos seus pés, submisso a tudo aquilo. A face com desejo, expressa para todas as mulheres. Aos homens coube a luxúria da solidão. De mim fez-se cinzas, de meu coração um púlpito. Antes mesmo de subirem ao palco, o furei. E todo o sangue estava manchado de dor, mas meu último sorriso foi dela. E ela retribuiu. Depois foi ter com outros rapazes.

quarta-feira, 2 de julho de 2008

Narciso no Olimpo

Peço licença aos felizes,
Licença de novo. Saia, por favor. Ao voltar espante-se ao ver-me no canto da sala vermelha, com os olhos virados e pele estranhamente pálida. Ao me verem: Saiam, de novo. Mas voltem, quero relutantemente ver vocês com os olhares velhos. Espantaram-se? Saiam. Voltem. Quero que a pena atribuída a mim, seja sem razão, com naturalidade. Sem surpresas.
Fitem-me sem explicar-me.
Com o amor deitado ao meu lado, também morto, abraçado comigo. O romance de voyeur, com os olhares abruptos. Escreve e alterna o fitar interessado. "Não me faça cometer o mesmo erro. Só me diga quando, quando vou poder tê-la ao meu lado sem erros ou acertos, ou até quando, eu vou ter que escrever as nossas aventuras, a cada acontecimento me passar o adágio de uma possível história de amor.". Lágrimas vieram a seguir, com um toque sutil de dificuldade, o som ambiente e a escuridão da sala, trouxeram a amargura de um momento a mais.
Não terminado, obstante ao rigor do instante o coração brincou com o carpete, o romance deitou-se.
Todos viram a peça de Eurídice, com suas dádivas a mão. Tebas deixou o conflito com Hércules, pra me assistir. Meu desejo acabou em suas frentes, enfrentei. Hera me deu alento, acariciou-me os cabelos.
Zeus, prepotente, pensou em si. Hera me levou, ao seu quarto, fez-me deitar. Fizemos amor. Ela disse que me amava. Meu coração voltou em si. Agora, na garganta uma forte mão lúbrica.
Saí com a marca de uma amante divina, não a quis mais, meu coração mortal pertencia. Não mais: a ninguém.
Eu fui Zeus, ao menos na cama, ao menos uma vez. Narciso era eu.

Rasgação de sedas

Rasgação de sedas